Assim como algumas histórias de óvnis que a gente só acredita vendo, há algumas exigências fiscais na importação que a gente só acredita quando acontecem.
Dias atrás recebi um e-mail de uma leitora, me contando um caso incomum. Ela me disse que um fiscal da Receita Federal aplicou a seguinte exigência na DI de um importador:
Bem, eu nunca havia visto uma exigência fiscal sobre valoração aduaneira deste tipo. Até porque, para ser bem sincera, método de valoração é um assunto pouco discutido na operação de importação. Pouco questionado, e deixado de lado muitas vezes pelo grau de complexidade que parece ter.
Se eu abrisse o sistema e visse “em tela” essa exigência, pensaria: E agora, para onde vou correr? rs.
Bem, mas não adianta correr do problema, temos que tentar primeiro entender.
Minha proposta para o post de hoje é tentar entender a exigência abordando alguns pontos chaves do primeiro método de valoração aduaneira.
Então...mãos à obra!
1) QUAIS SÃO OS FATOS?
A leitora me contou que a importação tinha as seguintes informações registradas na DI:
2) O QUE DIZ O 1º MÉTODO DE VALORAÇÃO?
Bom, existem 6 métodos para se determinar o valor aduaneiro de uma mercadoria importada. Estes métodos estão detalhados no “ACORDO SOBRE A IMPLEMENTAÇÃO DO ARTIGO VII DO ACORDO GERAL SOBRE TARIFAS E COMÉRCIO 1994”.
Vamos analisar alguns pontos deste Acordo a respeito do primeiro método. Antes, vale a pena lembrar que, a aplicação dos métodos de valoração aduaneira deve ser sucessiva e sequencial. Do primeiro método ao último.
1º MÉTODO:
O 1º método corresponde ao valor de transação é o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias, em uma venda para exportação para o país de importação. Caso não consiga se provar a legitimidade por este método, passa-se sucessivamente e sequencialmente aos demais.
Fica prejudicada a aplicação do 1º método quando (dentre outras hipóteses):
- Se o comprador e o vendedor forem vinculados e esta vinculação afetar o preço.
- PREÇO EFETIVAMENTE PAGO:
“O preço efetivamente pago ou a pagar é o pagamento total efetuado ou a ser efetuado pelo comprador ao vendedor ou em benefício deste pelas mercadorias importadas. O pagamento não implica necessariamente em uma transferência de dinheiro. Poderá ser feito por cartas de crédito ou instrumentos negociáveis, podendo ser efetuado direta ou indiretamente.
Exemplo de pagamento indireto seria a liquidação pelo comprador, no todo ou em parte, de um débito contraído pelo vendedor.”
- VINCULAÇÃO VENDEDOR E COMPRADOR:
“...o fato de haver vinculação entre comprador e vendedor, nos termos do Artigo 15, não constituirá, por si só, motivo suficiente para se considerar o valor de transação inaceitável. Neste caso, as circunstâncias da venda serão examinadas e o valor de transação será aceito, desde que a vinculação não tenha influenciado o preço. Se a administração aduaneira, com base em informações prestadas pelo importador ou por outros meios, tiver motivos para considerar que a vinculação influenciou o preço, deverá comunicar tais motivos ao importador, a quem dará oportunidade razoável para contestar. Havendo solicitação do importador, os motivos lhe serão comunicados por escrito.”
“Se a administração aduaneira não puder aceitar o valor de transação sem investigações complementares, deverá dar ao importador uma oportunidade de fornecer informações mais detalhadas, necessárias para capacitá-la a examinar as circunstâncias da venda. Nesse contexto, a administração aduaneira deverá estar preparada para examinar os aspectos relevantes da transação, inclusive a maneira pela qual o comprador e o vendedor organizam suas relações comerciais e a maneira pela qual o preço em questão foi definido, com a finalidade de determinar se a vinculação influenciou o preço. Quando ficar demonstrado que o comprador e o vendedor, embora vinculados conforme as disposições do Artigo 15, compram e vendem um do outro como se não fossem vinculados, isto comprovará que o preço não foi influenciado pela vinculação.”
Se fosse possível definir o primeiro método com apenas algumas palavras-chaves, creio que seriam:
3) ANALISANDO A EXIGÊNCIA FISCAL
Na minha opinião, uma DI que tenha a modalidade de pagamento registrada com a opção “sem cobertura cambial” não é condição suficiente para determinar que o método utilizado (primeiro) esteja incorreto.
Ai vocês me perguntam: Carol por que você diz isso?
Porque podemos ter uma DI registrada no SISCOMEX com a informação de “sem cobertura cambial”, e existir um pagamento via cartão de crédito ou um pagamento indireto.
Porque operacionalmente, para fins de registro da DI, temos apenas 2 opções: “sem cobertura cambial” ou “com cobertura cambial”; o que não reflete haver ou não previsão de pagamento.
Vejam informação do site da Receita Federal:
No próprio site da Receita também diz o seguinte:
“... DI sem cobertura cambial, se o pagamento for efetuado com recursos mantidos no exterior, com cartão de crédito internacional ou com vale postal internacional, pois não haverá contrato de câmbio.”
Fonte: (http://www.receita.fazenda.gov.br/manuaisweb/importacao/preenchimento/versao_antiga/declaracao/adicao/ficha-cambio/default.htm)
Com este texto entende-se que a DI pode ser “sem cobertura cambial” e “com previsão de pagamento”.
Então, na minha opinião, apenas a informação de “sem cobertura cambial” na DI não é motivo suficiente de não aplicação do primeiro método. O fiscal teria que ter dado mais detalhes e motivações para não ter aceitado o primeiro método.
Mas como o fiscal não detalhou a exigência, a descreveu de forma lacônica, haveria necessidade de melhor descrição, de clareza nas razões que o levaram a decidir pela incorreção da aplicação do primeiro método, e de oportunidade ao importador para argumentar o motivo do método utilizado.
A IN 327/2003 diz o seguinte em seu artigo 32, parágrafo 4º:
“Na hipótese de recusa da aplicação do método de valor declarado, a autoridade aduaneira deverá cientificar o importador sobre os seus motivos.”
Por isso, sugiro que sempre questionem o porquê da exigência em uma situação desta, seja via uma petição, ou até mesmo indo conversar com o fiscal.
4) CONCLUSÃO
Este caso que a leitora me contou teve outros desdobramentos, e outras exigências foram solicitadas. Eu não irei entrar nestes detalhes.
A minha intenção neste post não foi discutir se o fiscal teve razão em aplicar a exigência ou não. O objetivo foi questionar a maneira pela qual a fiscalização motiva suas exigências. A exigência em si pode até ter sentido, e estar correta neste caso, mas os motivos que foram apresentados não são suficientes para determinar a incorreção do método aplicado.
Outro ponto, é que o importador deve estar preparado para fornecer informações sobre o método de valoração utilizado na importação. Deve estar apto para comprovar a maneira pela qual o preço em questão foi definido, a maneira que sua relação comercial com o exportador é organizada; a forma de pagamento da importação, dentre outras informações que dão suporte a caracterização da operação de compra e venda.
Lendo o Acordo fica clara a possibilidade de argumentação por parte do importador para comprovar os valores definidos, por isso é necessário ter documentação que ateste tais práticas.
Levanto também a questão de qual método utilizar, caso o em questão não seja aceito. Deve-se obedecer, obrigatoriamente, a ordem sequencial dos métodos de valoração. Mesmo que a autoridade aduaneira (fiscal) exija um método específico.
A exigência deve ser avaliada pelo importador com base na previsão legal, e não apenas na decisão da fiscalização aduaneira. Decisões arbitrárias da fiscalização aduaneira devem ser questionadas.
Esses são alguns pontos que considerei importantes nesta situação. Quero agradecer a leitora por dividir essa experiência conosco, e deixar aberta a porta para outros que tenham interesse em compartilhar experiências como esta.